Horários de trabalho desenhados pelos trabalhadores

OTIMIZAÇÃO 14-01-2025
Horários de trabalho desenhados pelos trabalhadores
Horários de trabalho desenhados pelos trabalhadores
Horários de trabalho desenhados pelos trabalhadores
A escassez de trabalhadores é um desafio premente na indústria ferroviária. E se pudesse melhorar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, aumentar a satisfação no trabalho e reforçar a atração e retenção de talento?

 

Ana Wemans, Software Engineer e Ricardo Saldanha, Diretor de Inovação @SISCOG  |  10 min leitura

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Melhorar a atração e retenção de trabalhadores é cada vez mais crucial num contexto em que a indústria ferroviária enfrenta há muito tempo uma escassez de mão de obra. É por isso que os operadores ferroviários valorizam soluções que melhorem o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal dos seus trabalhadores e que os capacitem para influenciar a forma como o seu trabalho é planeado.

Junte-se a nós enquanto explicamos como os trabalhadores podem desempenhar um papel ativo na criação dos seus próprios horários de trabalho sem comprometer a eficiência global na distribuição das tarefas entre si.

 

A SOLUÇÃO PROPOSTA

Mais concretamente, propomos uma solução para melhorar o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal baseada em dois princípios:

a) permitir que os trabalhadores expressem as suas preferências sob a forma de pedidos; e

b) recorrer a um suporte algorítmico para planear o trabalho, com o objetivo de maximizar a satisfação dessas preferências de forma justa. Este suporte algorítmico está integrado no Short-term Scheduler, um módulo do CREWS, um dos produtos da SISCOG Suite, concebido para planear e gerir de maneira individualizada o trabalho de tripulantes, e outros tipos de trabalhadores, para datas específicas do calendário (*).

 

Capacitar os trabalhadores para expressarem ativamente as suas preferências e para moldarem os seus próprios horários de trabalho.

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Estas preferências podem estar relacionadas com qualquer característica das tarefas diárias, também conhecidas como turnos, ou dos dias de folga, por exemplo:

  • Começar a trabalhar todos os dias depois das 9h para levar os filhos à escola antes do trabalho
  • Ter uma folga num dia específico para celebrar um aniversário
  • Sair mais cedo às quartas-feiras para passar mais tempo com a família
  • Não ter um dia de folga num feriado devido ao pagamento mais elevado nesses dias

Dado que pode ser impossível satisfazer todas as preferências solicitadas pelos trabalhadores, estes podem indicar quais dos seus pedidos têm maior importância, atribuindo um peso a cada um deles. É também importante garantir que a satisfação dos pedidos seja feita de forma justa, de modo a que nenhum trabalhador seja favorecido em detrimento de outro.

Isto significa que, se dois trabalhadores tiverem pedidos semelhantes, os seus níveis de satisfação com o trabalho que lhes é atribuído devem ser também semelhantes (consideramos os níveis de satisfação definidos pela percentagem ponderada de pedidos satisfeitos).

No entanto, se dois trabalhadores tiverem preferências completamente diferentes, uma atribuição justa do trabalho pode resultar em níveis de satisfação distintos. Por exemplo, se um prefere trabalhar durante a noite e outro de manhã, não é problemático nem injusto que um fique mais satisfeito do que o outro, uma vez que reduzir a satisfação de um não beneficiaria o outro.

 

Até agora, a literatura sobre a satisfação de preferências no planeamento de escalas personalizadas para tripulações foca-se principalmente em duas abordagens:

  • Uma, em que os trabalhadores têm preferências diferentes, mas em que a antiguidade é aplicada em sentido estrito, o que significa que os trabalhadores escolhem as suas escalas preferidas, começando pelo trabalhador mais antigo (sénior), até que o menos antigo fique com os "restos"
  • Outra, em que todos os trabalhadores têm as mesmas preferências, o que implica que estabelecer equidade é o mesmo que impor o mesmo nível de satisfação a todos os trabalhadores.

O que pretendemos é um meio termo entre estas duas abordagens, onde cada trabalhador pode expressar as suas preferências e a antiguidade não é aplicada em sentido estrito. Com o nosso procedimento algorítmico, distribuímos o trabalho entre os trabalhadores de forma eficiente e justa, maximizando as suas preferências tanto quanto possível.

 

Equilibrar a antiguidade com as preferências individuais na elaboração de escalas de trabalho pode levar a resultados mais equitativos e eficientes.

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O trabalho a ser distribuído é apresentado sob a forma de turnos, conforme ilustrado na Figura A. O resultado da distribuição do trabalho é um conjunto de escalas para a tripulação, uma para cada trabalhador individual. Estas escalas podem ser consideradas como sequências de turnos intercalados com dias de folga, como mostrado na Figura B. Note-se que estas sequências devem cumprir um conjunto de regras laborais estabelecidas pela legislação laboral nacional e por acordos locais com os trabalhadores. De forma geral, estas regras laborais incluem tempos mínimos de descanso entre turnos consecutivos, limites máximos para a média de horas de trabalho, número médio de dias de folga por semana, máximo de dias de trabalho consecutivos, entre outros. Como se pode ver na Figura B, as sequências das escalas são definidas como continuações das sequências estabelecidas para um período anterior.

 

Figure A: CREWS Short-term Scheduler showing an unsolved problem with 324 unplanned duties (4 of them visible) and a set of 44 rosters (6 of them visible) that have duties assigned until Sunday 08/31 and no duties assigned from that date on.

Figura A: O CREWS Short-term Scheduler mostrando um problema não resolvido com 324 turnos por planear (4 deles visíveis) e um conjunto de 44 escalas (6 delas visíveis) com turnos atribuídos até domingo, 31/08, e sem turnos atribuídos a partir dessa data.

 

Figure B: CREWS Short-term Scheduler showing the result of planning all duties referred in Figure A in the form of rosters, which are sequences of duties (represented with green lines) and days off (represented with letter “R”).

Figura B: O CREWS Short-term Scheduler mostrando o resultado do planeamento de todos os turnos referidos na Figura A sob a forma de escalas, que consistem em sequências de turnos (representados com linhas verdes) e dias de folga (representados pela letra “R”). 

 

UM PROCESSO COM DUAS ETAPAS

O nosso procedimento algorítmico é realizado em duas etapas
Na primeira etapa, calculamos a satisfação esperada de cada trabalhador, considerando a equidade e o grau de competitividade dos seus pedidos em relação aos dos seus colegas. Isto é feito através da simulação de um leilão, onde cada trabalhador tem um orçamento fixo (igual para todos os trabalhadores com o mesmo nível de antiguidade) e distribui o seu orçamento em licitações sobre os turnos que satisfazem as suas preferências. Com base nos turnos que cada trabalhador conseguiu comprar no leilão, são calculados os níveis de satisfação de cada um. Estes níveis de satisfação são considerados equitativos porque o orçamento de cada trabalhador é igual para todos no mesmo nível de antiguidade.

Na segunda etapa, produzimos escalas otimizadas e viáveis para a tripulação com base nos níveis de satisfação obtidos na primeira etapa. É utilizada uma pesquisa em vizinhança alargada para melhorar uma solução inicial gerada por uma heurística construtiva gulosa. O objetivo principal é planear todos os turnos, enquanto o objetivo secundário é minimizar o desvio quadrático médio entre a satisfação alcançada e a esperada, calculada na primeira etapa.

Para mais detalhes sobre o procedimento algorítmico, consulte o artigo (**) apresentado na 15.ª Conferência Internacional sobre Sistemas Avançados em Transporte Público (CASPT 2022).

 

Para avaliar a equidade de uma atribuição de trabalho, contamos o número de relações de inveja encontradas nas escalas dos trabalhadores. Este indicador-chave de desempenho (KPI) é inspirado na vasta literatura sobre a divisão equitativa de bens indivisíveis (***). Existe uma relação de inveja entre o trabalhador A e o trabalhador B se A invejar a escala de B. O trabalhador A inveja a escala de B se for capaz de desempenhar a escala de B e preferir desempenhá-la em vez da sua própria, porque isso aumentaria a satisfação das suas preferências.  

 

UMA ABORDAGEM TESTADA

Para testar a nossa abordagem, utilizámos dados reais de uma rede ferroviária do norte da Europa e configurámos vários conjuntos de dados. Um desses conjuntos inclui 32 trabalhadores com o mesmo nível de antiguidade, um horizonte de planeamento de 30 dias e 734 turnos para serem planeados. Testámos 4 cenários de preferências diferentes, onde:

  1. todos os trabalhadores querem ter os fins de semana livres,
  2. metade dos trabalhadores quer os fins de semana livres e a outra metade quer trabalhar durante os fins de semana,
  3. todos os trabalhadores querem trabalhar em turnos matinais e
  4. metade dos trabalhadores quer turnos matinais enquanto a outra metade prefere os fins de semana livres.


Na Tabela 1, mostramos as melhorias obtidas na satisfação média das preferências e nas relações de inveja ao considerar a satisfação das preferências e ao não as considerar.

Como podemos observar, houve melhorias significativas nas relações de inveja em todos os cenários, destacando-se especialmente o cenário 1, onde a inveja foi completamente eliminada.

Também verificamos aumentos nas melhorias da satisfação das preferências em situações onde há uma diminuição na competitividade entre os trabalhadores. Por exemplo, no cenário 2, a competitividade é reduzida para metade em relação ao cenário 1, uma vez que apenas metade dos trabalhadores compete pelo mesmo tipo de dia livre (ou turno). Isso resulta num aumento de 61,42% na melhoria da satisfação das preferências. Um comportamento semelhante é observado ao comparar o cenário 4 com o cenário 3.

Podemos também observar que, nos cenários em que todos os trabalhadores competem pelos mesmos dias de folga ou turnos (nomeadamente os cenários 1 e 3), existem melhorias em termos de equidade, mas não em termos de satisfação das preferências (ou, pelo menos, estas são negligenciáveis). Isto ocorre porque, independentemente da forma como as folgas ou turnos são distribuídos entre os trabalhadores, a satisfação média das preferências permanece sempre igual (ou quase igual).

No cenário 1, a melhoria não é nula (3%) porque, embora o número de fins de semana disponíveis e o número de trabalhadores que podem ter um dia livre seja limitado, é possível trocar turnos de reserva (turnos que possuem apenas uma hora de início e uma de fim, sem conteúdo atribuído) por dias de folga. Esta possibilidade permite uma ligeira melhoria na satisfação média das preferências, embora a solução resultante possa ser um pouco menos robusta a circunstâncias imprevistas.

 

Tabela 1: Melhorias obtidas na satisfação de preferências e nos indicadores de inveja ao usar a nossa abordagem.

Tabela 1: Melhorias obtidas na satisfação de preferências e nos indicadores de inveja ao usar a nossa abordagem.

 

Uma abordagem colaborativa que melhora tanto o equilíbrio entre vida profissional e pessoal como a satisfação no trabalho.

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CONCLUSÃO

Em conclusão, a nossa solução algorítmica capacita os trabalhadores para desempenharem um papel ativo na construção dos seus horários de trabalho.

Ao permitir que expressem preferências, tanto para dias de folga como para turnos, esta solução inovadora não só permite aos trabalhadores melhorar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, como também contribui para uma maior satisfação no trabalho e retenção.

Para os operadores ferroviários, isto traduz-se numa força laboral mais motivada e em operações de transporte mais fluídas e fiáveis.

Num contexto de escassez de mão de obra, a adoção de soluções deste tipo pode ser um fator decisivo na criação de um ambiente de trabalho colaborativo e eficiente.

 

 


Referências
(*) J. P. Martins, E. Morgado e R. Haugen. TPO: A System for Scheduling and Managing Train Crew in Norway. Atas da 15ª Conference on Innovative Applications of Artificial Intelligence (IAAI-2003), Riedl a Hill (eds.), pp. 25-32, Menlo Park (CA): AAAI Press, 2003.
(**) A. Wemans, J. Roussado, e R. L. Saldanha. Crew rostering with fair satisfaction of personal preferences. Atas da 15ª International Conference on Advanced Systems in Public Transport (CASPT2022), Tel Aviv, 2022.
(***) G. Amanatidis, H. Aziz, G. Birmpas, A. Filos-Ratsikas, B. Li, H. Moulin, A. A. Voudouris e X. Wu, Fair division of indivisible goods: Recent progress and open questions, Artificial Intelligence, Volume 322, 2023.